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Hormônios Intestinais no Controle do Apetite e Obesidade



Os nutrientes induzem a saciedade, que é uma sensação produzida pelo sistema nervoso central após detectar uma quantidade adequada de nutrientes por um determinado período de tempo. Portanto, detectar corretamente os nutrientes é o fundamento da saciedade. Intui-se que a detecção de nutrientes seja mais precisa do que aquela de volumes; caso contrário, os animais que se alimentam de substâncias não nutritivas poderiam se sentir impropriamente satisfeitos e deflagrar respostas metabólicas pós-prandiais como a secreção de insulina, impropriamente, gerando hipoglicemia.

A detecção de nutrientes é essencial, a detecção de volumes é assessória. Pacientes submetidos à gastrectomia total apresentam regulação de apetite bastante normal. Talvez essa possa ser a razão pela qual cirurgias puramente restritivas no tratamento da obesidade apresentam resultados piores quando comparados a todas as técnicas que, de alguma forma, levem os nutrientes mais rapidamente para o intestino.

Os nutrientes são detectados no estômago e intestino delgado, do duodeno até o cólon. A falta de nutrientes estimula a secreção de grelina, por células neuroendócrinas A, principalmente localizadas no fundo gástrico. A grelina é uma substância que leva à fome e a um comportamento de busca por alimentos; também dispara a diminuição de gasto energético.

O intestino proximal detecta os nutrientes e produz vários hormônios e substâncias que contribuem para a saciedade, como a colecistocinina e apolipoproteína A-IV (Apo A-IV). No entanto, as substâncias mais potentes geradas pelo intestino para induzir a saciedade são produzidas principalmente em sua porção distal.

O peptídeo glucagon-símile 1 (GLP-1), a oxintomodulina (OXM) e o polipeptídeo YY (PYY) são hormônios intestinais produzidos por células L, localizadas basicamente no intestino distal, cujas ações múltiplas criam as condições fisiológicas corretas para o estado pós-prandial. Esses hormônios são responsáveis pelo término de uma refeição. Portanto, em suma, reduzem o esvaziamento gástrico e a secreção de ácido, diminuem a velocidade do trânsito intestinal, ativam uma maior produção e secreção de insulina e, simultaneamente, desativam os hormônios anti-insulínicos ; causam uma rápida retirada de gorduras do sangue e finalmente, causam uma intensa sensação de saciedade ao cruzar a barreira hemato-encefálica

O GLP-1 e o PYY também fecham o piloro e contribuem para a distensão gástrica. Assim, alguém que tenha ingerido o suficiente para ter nutrientes por todo o trato GI, inclusive no intestino distal, irá apresentar sinais de distensão gástrica, baixos níveis de grelina e altos níveis de hormônios do intestino proximal e distal (estes mais potentes na indução de resposta insulínica e saciedade). Esta complexa rede de sinais, ainda incompletamente conhecida, gera a sensação de saciedade completa.

A importância fisiológica do GLP-1 vai além da ativação da resposta insulínica. Demonstrou-se que este peptídeo é responsável pela manutenção e trofismo de células beta do pâncreas; além disso, a falta crônica de GLP-1 induz diabetes tipo 2 e seu suprimento pode curá-la e induzir a neogênese de células beta.

Podemos concluir que a detecção de nutrientes por todo o trato GI, principalmente nas porções distais, é fundamental para a saciedade e para as respostas fisiológicas esperadas relacionadas à ingestão de alimentos.

Muitos dados publicados mostram que o indivíduo obeso apresenta uma secreção reduzida de hormônios do intestino distal, principalmente de PYY e GLP-1. Como esses hormônios são considerados extremamente importantes no término de uma refeição, é possível imaginar as conseqüências desta resposta atenuada e tardia. O piloro demora a fechar, o trânsito intestinal não se reduz, o esvaziamento gástrico se mantém, os sinais de distensão gástrica chegam com atraso, a resposta insulínica diminui e não há bloqueio de hormônios anti-insulínicos; assim, “a saciedade completa” pode nunca acontecer, ou ocorre tardiamente.

Portanto, a falta de resposta normal do intestino à ingestão alimentar é uma tragédia metabólica. Qual seria a causa? Onde estão os desencadeantes desta situação? A resposta mais provável é: a dieta moderna.

A dieta moderna, produto da intervenção humana concentrou nutrientes de alta absorção (inclusive elementos “não naturais”, como o açúcar e a farinha de trigo refinados) e com uma quantidade cada vez menor de fibras e resíduos. Esses nutrientes processados, na verdade, sofreram uma “digestão externa” para serem produzidos. O calor do fogo e o cozimento quebram ligações estruturais e tornam o alimento mais facilmente digerível. O refinamento remove as fibras que revestem os nutrientes nos alimentos vegetais. Podemos criar artificialmente uma refeição que nossos instintos mais procuram: nutrientes livres de partes não nutritivas.

Esta refeição “pré-digerida” pode ser absorvida de modo eficaz nas porções mais iniciais do intestino, criando picos de absorção de nutrientes e também um “intestino distal vazio”. Nesta situação, a secreção de GLP-1 estaria reduzida.

Se esta teoria for correta, dois fatos devem ser comprovados: 1) as pessoas obesas realmente apresentam secreção diminuída de GLP-1 e PYY; 2) as pessoas obesas são capazes de produzir esses hormônios adequadamente se uma quantidade suficiente de nutrientes alcançar o intestino distal.

Ambos os fatos já foram demonstrados. Os indivíduos obesos e com diabetes tipo 2 apresentam menor secreção de GLP-1. Os obesos apresentam secreção pós-prandial reduzida de PYY e não são resistentes a seus efeitos anoréticos.

Além disso, imediatamente e muitos anos após a realização de uma derivação (“bypass” jejuno-ileal, que envia os nutrientes para o intestino distal através de um atalho), a secreção normal de GLP-1 é re-estabelecida. Os nutrientes introduzidos experimentalmente no íleo, carboidrato ou gordura, aumentam a secreção de GLP-1 no sangue. Portanto, os obesos são capazes de produzir os hormônios do intestino distal normalmente, caso os nutrientes alcancem este ponto, o que leva a uma conclusão bastante clara: os nutrientes não estão chegando na porção distal porque estão sendo absorvidos muito rapidamente, com sinalização lenta e atenuada para uma resposta insulínica.

Se a rápida absorção for mesmo o agente desencadeante por causar invasões súbitas de gordura e açúcar no sangue e por piorar as importantes secreções de hormônios do intestino distal, o que poderia ser feito para melhorar este quadro?

A resposta lógica seria a de voltar para alimentos primitivos menos refinados. Porém a espécie humana, entre todos os animais do planeta, foi aquela que melhor resolveu o problema cotidiano de encontrar alimentos biologicamente valiosos. O fez através de um processo de encefalização que proporcionou o enriquecimento da dieta e que simultaneamente se beneficiou dele, posto que o encéfalo é alto consumidor de energia. A eliminação da fome e da preocupação em encontrar alimentos nutritivos cotidianamente é, provavelmente, a maior conquista de uma espécie. Portanto, a educação nutricional pode ajudar, mas é pouco provável que a industrialização e refino de alimentos sejam interrompidos, nem mesmo diante da obesidade.

Conclusão: A Fisiologia da comunicação entre o sistema digestório e os demais órgãos permitirá a compreensão fina de diversas doenças associadas com a alimentação, entre elas a obesidade, a anorexia, a dislipidemia e o diabetes tipo 2.

Referências Selecionadas

Deborah L. Drazen and Stephen C. Woods. Peripheral signals in the control of satiety and hunger. Curr Opin Clin Nutr Metab Care 2003; 6:621–629.

Neary N M et al. Appetite regulation: from the gut to the hypothalamus. Clinical Endocrinology 2003; 60: 153–160

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